Entrevista com a diretora de O DESPERTAR DE LILITH, Monica Demes

Uma mulher sexualmente reprimida, presa em um casamento infeliz, liberta uma incontrolável e sombria força de dentro de si, depois que é sexualmente assediada. Essa é a premissa de O Despertar de Lilith (Lilith's Awakening, 2016), filme de vampiro cult da cineasta brasileira Monica Demes.

Monica é carioca, mas começou a construir sua carreira em Madrid e Nova York, onde estudou cinema e rodou seus primeiros curtas. Lilith é seu primeiro longa-metragem, rodado inteiramente em Fairfield, Iowa, no interior norte-americano.



A pacata Fairfield, de cerca de 10 mil habitantes no sul de Iowa, aliás foi o lugar onde Monica conheceu seu "guru cinematográfico", ninguém menos do que a lenda David Lynch. Foi um curta de animação, Halloween, que primeiro aproximou Monica e David. E, depois, num mestrado coordenado por ele, na Universidade de Gestão Maharishi, em Fairfield, essa relação se estreitou.

Segundo Monica, David Lynch não teve qualquer participação em O Despertar de Lilith, mas ele funcionou como se fosse um guru, dando um apoio moral e permitindo que o filme fosse finalizado.




Veja a entrevista:

FT: Como você começou no cinema?

MD: Eu estudei cinema em Madrid e em Nova York, onde rodei meu primeiro curta em 16 mm chamado Rose. Anos mais tarde, depois de trabalhar em documentários e dirigir conteúdos cômicos para celulares, fiz um curta de animação gótico chamado Halloween, com o artista espanhol Carmelo Calvo. Esse curta ganhou alguns prêmios, entre eles um da Universidade MUM (Universidade de Gestão Maharishi), onde se havia criado recentemente o primeiro mestrado do David Lynch. Eles me deram um prêmio em dinheiro para gravar um projeto ali no Iowa, que depois de um crowdfunding e uma co-produção se transformou no meu primeiro longa, O Despertar de Lilith.

FT: O Despertar de Lilith é seu primeiro longa. Poderia falar um pouco sobre o filme e sobre como surgiu a ideia da história?
MD: A ideia do filme surgiu quando eu criei uma das cenas do filme, meditando. Nessa cena, uma mulher solitária pega uma carona à noite numa estrada escura e o cara que lhe dá carona se insinua e lhe ameaça. Só que ele acaba descobrindo que mexeu com a mulher errada. Depois de escrever essa cena comecei a me perguntar quem era essa mulher tão poderosa. E cheguei à conclusão que ela só podia ser Lilith. Então construí o resto do roteiro pensando no mito da Lilith, a primeira mulher. Aquela que, segundo os escritos cabalistas do século XIII, foi feita da terra como Adão e que, depois de se recusar a ser subserviente, teve uma grande discussão, se elevou nos ares, e desapareceu do paraíso. A que foi condenada a ser o primeiro demônio que suga sangue da humanidade por não querer voltar ao paraíso. E quando descobri que faria um filme sobre a força da Lilith e o que ela representa, soube imediatamente que a Barbara Eugénia seria minha Lilith. Essa cantora tem exatamente a força e o magnetismo nos olhos que o personagem precisa para se manifestar no filme, quase sem palavras, como uma aparição, uma força incontrolável da natureza e do selvagem, que seduz e dá medo ao mesmo tempo.

FT: Por que decidiu estrear com um filme de terror? Você é fã do gênero?
MD: Desde pequena adoro filmes de terror e de fantasia. Mas, na verdade, eu não decidi conscientemente fazer um longa de terror para minha estreia. Poderia ter escrito qualquer coisa, mas a Lilith apareceu na minha cena como uma força que queria se materializar através do filme e através da personagem da Lucy. Eu tive o privilégio de poder ter lhe dado asas.

FT: O Despertar de Lilith tem rodado o mundo em festivais, inclusive pelo Brasil, e ganhou alguns prêmios. Agora em maio chega ao Fantaspoa. Qual a expectativa em relação ao festival?
MD: Desde que o filme ficou pronto, tenho o Fantaspoa em mente. Queria muito que o filme participasse desse festival e estou muito contente de apresentar meu filme ali.

FT: Há alguma previsão do filme chegar ao circuito comercial brasileiro?
MD: Apresentamos o filme a dois canais de televisão a cabo, mas ainda estamos esperando respostas.

FT: Você foi aluna de David Lynch na Universidade Maharishi, em Iowa. Vocês já se conheciam antes disso? Como foi essa convivência com o cineasta durante o curso?
MD: O David nunca foi professor. Ele compartilhava experiências de vida, de concepção de filmes e de rodagem e ajudava a superar problemas específicos da criação. O mestrado se baseava numa série de workshops com os profissionais mais reconhecidos de Los Angeles em matéria de roteiro, desenvolvimento de história, marketing e direção de atores, como Dara Marks ou Anthony Meindl. Além das aportações do David, claro, que aconteceram algumas vezes ao longo do curso e que foram fundamentais para mim e para Lilith.



FT: Lynch teve também alguma participação na produção de O Despertar de Lilith? No roteiro? 
MD: O David nunca leu o roteiro nem deu sugestões na história, muito pelo contrário. A única condição que ele colocava para dar conselhos no processo criativo era que nunca falássemos da história, apenas da dificuldade que estávamos atravessando. E nesse sentido ele funcionou como um xamã, pois enfrentei um bloqueio criativo que ele me ensinou a identificar e superar.

FT: Como é a relação hoje com seu antigo professor? Prevê trabalhar com Lynch em algum outro projeto?
MD: Lynch foi um grande mestre iniciador. Agora me toca voar com minhas asas.

FT: Você já terminou o roteiro de um novo filme. Pode adiantar alguma coisa sobre o projeto?
MD: Tenho dois roteiros - um para ser rodado num conservatório de música em Madrid e outro para uma casa de praia colonial em Angra dos Reis. Dois thrillers com mulheres protagonistas.